20 de nov. de 2014

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Autismo na novela ‘’Amor à Vida’’

Atriz Bruna Linzmeyer fala sobre personagem autista


No ano de 2013, a Globo transmitiu a novela ‘’Amor à Vida’’. Entre os temas recorrentes do folhetim do horário nobre da emissora estava o autismo, representado pela personagem Linda (Bruna Linzmeyer). Entretando as características da autista retratada levantou discussões sobre até que ponto o que foi retratado condizia com a realidade de autistas.

Ana Arantes, pesquisadora do LAHMIEI, da Universidade Federal de São Carlos, diz que o caso de Linda é completamente desconectado da realidade de um autista. A Revista Galileu fez uma entrevista com a psicóloga para entender melhor sua opinião, destacamos alguns dos principais pontos dela abaixo:

Em seu texto, você fala que Linda não apresenta características autistas. Quais são as características que classificam o tipo de autismo que ela deveria ter, caso o personagem fosse consistente, desde o início da novela?

É difícil falar sobre uma personagem de ficção, mas no início da novela parecia que Linda tinha muitos comprometimentos cognitivos, comportamentais e de socialização. Ela poderia até ser ser localizada como autista típica dentro do espectro autista. Em um certo momento da novela foi mostrado que o tratamento mais intensivo dela estava começando naquele ponto, com o psicólogo e o fisioterapeuta, então entendíamos que ela não tinha tido tratamento desde o início da infância. Nesses casos, sabemos que a velocidade do desenvolvimento das habilidades de comunicação e socialização é mais lenta, porque quanto mais cedo e mais intensivo é o tratamento especializado, maiores as chances da criança se desenvolver de maneira satisfatória.

E quais são as falhas do tratamento mostrado na novela?

Sempre me pareceu que o tratamento era mais centrado na mãe do que propriamente na Linda. É claro que a família tem de ter e tem participação importante nas estratégias desenvolvidas pelos profissionais, mas não era esse o foco na novela. Esse é um erro grave e é muito triste que ele tenha sido cometido. Eu acho que isso ainda é resquício de preconceitos errados difundidos por teorias psicológicas ultrapassadas que depositavam a "culpa" do autismo de uma criança no comportamento da mãe. Uma dessas teorias que foi muito famosa por um tempo é a da "mãe geladeira", que dizia que a criança havia se voltado para dentro de si mesma para se proteger da mãe que era refratária ao seu amor. Hoje em dia sabemos que o autismo é um transtorno complexo, de base genética e comportamental e que ninguém é "culpado" por uma criança autista.
O tratamento psicológico da Linda praticamente não foi mostrado, na verdade. Algumas intervenções do psicólogo da novela eram sempre no sentido de "ensinar" alguma habilidade para a menina, só que de maneira muito fora da realidade de uma sessão de intervenção com autistas. Me lembro de uma cena em que o psicólogo mostrava um cartaz para Linda e dizia que ela tinha que seguir aquelas instruções para arrumar a cama. Veja, se uma criança tem sérias dificuldades de linguagem e comunicação, sem nem falar do comprometimento cognitivo, como ela pode seguir regras escritas ou mesmo desenhadas num cartaz?

Qual é o tratamento correto para o transtorno que Linda, em teoria, deveria possuir na trama?

O tratamento comprovadamente eficaz e recomendado para o TEA é o baseado em ABA (Análise do Comportamento Aplicada, na sigla em inglês), que consiste em um plano de intervenção intensiva e precoce, que tem como objetivo ensinar para a criança, de maneira sistematizada, todas as habilidades que ela precisa aprender para ter uma vida saudável, feliz e produtiva. São ensinadas habilidades de comunicação, de socialização, habilidades acadêmicas e de vida diária (como se alimentar, higiene pessoal, se vestir, por exemplo) e até mesmo preparação e treinamento para o trabalho. Parte-se daquilo que a criança já é capaz de fazer, mesmo que seja muito incipiente, e vai-se construindo todo esse repertório de comportamentos ao longo do desenvolvimento da criança até que ela alcance autonomia - ou pelo menos, precise de menos suporte - para ter uma vida normal.

Que obras você recomendaria para alguém que quer entender melhor o comportamento autista?

Eu recomendo o livro Autismo: Não espere, aja logo! - Depoimento de um Pai sobre os Sinais de Autismo, do Francisco Paiva Junior (que também é editor da Revista Autismo). Nele, o autor mostra como foi a experiência de descobrir que seu filho era autista e enfatiza a importância do tratamento precoce e intensivo das crianças com TEA.


  • Confira a entrevista na íntegra aqui: http://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2014/02/autismo-retratado-em-novela-passa-longe-da-realidade.html

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