Atriz Bruna Linzmeyer fala sobre personagem autista
No
ano de 2013, a Globo transmitiu a novela ‘’Amor à Vida’’. Entre os temas
recorrentes do folhetim do horário nobre da emissora estava o autismo,
representado pela personagem Linda (Bruna Linzmeyer). Entretando as características
da autista retratada levantou discussões sobre até que ponto o que foi
retratado condizia com a realidade de autistas.
Ana
Arantes, pesquisadora do LAHMIEI, da Universidade Federal de São Carlos, diz
que o caso de Linda é completamente desconectado da realidade de um autista. A
Revista Galileu fez uma entrevista com a psicóloga para entender melhor sua
opinião, destacamos alguns dos principais pontos dela abaixo:
Em
seu texto, você fala que Linda não apresenta características autistas. Quais
são as características que classificam o tipo de autismo que ela deveria ter,
caso o personagem fosse consistente, desde o início da novela?
É
difícil falar sobre uma personagem de ficção, mas no início da novela parecia
que Linda tinha muitos comprometimentos cognitivos, comportamentais e de
socialização. Ela poderia até ser ser localizada como autista típica dentro do
espectro autista. Em um certo momento da novela foi mostrado que o tratamento
mais intensivo dela estava começando naquele ponto, com o psicólogo e o
fisioterapeuta, então entendíamos que ela não tinha tido tratamento desde o
início da infância. Nesses casos, sabemos que a velocidade do desenvolvimento
das habilidades de comunicação e socialização é mais lenta, porque quanto mais
cedo e mais intensivo é o tratamento especializado, maiores as chances da
criança se desenvolver de maneira satisfatória.
E
quais são as falhas do tratamento mostrado na novela?
Sempre
me pareceu que o tratamento era mais centrado na mãe do que propriamente na
Linda. É claro que a família tem de ter e tem participação importante nas
estratégias desenvolvidas pelos profissionais, mas não era esse o foco na
novela. Esse é um erro grave e é muito triste que ele tenha sido cometido. Eu
acho que isso ainda é resquício de preconceitos errados difundidos por teorias
psicológicas ultrapassadas que depositavam a "culpa" do autismo de
uma criança no comportamento da mãe. Uma dessas teorias que foi muito famosa
por um tempo é a da "mãe geladeira", que dizia que a criança havia se
voltado para dentro de si mesma para se proteger da mãe que era refratária ao
seu amor. Hoje em dia sabemos que o autismo é um transtorno complexo, de base
genética e comportamental e que ninguém é "culpado" por uma criança
autista.
O
tratamento psicológico da Linda praticamente não foi mostrado, na verdade.
Algumas intervenções do psicólogo da novela eram sempre no sentido de
"ensinar" alguma habilidade para a menina, só que de maneira muito
fora da realidade de uma sessão de intervenção com autistas. Me lembro de uma
cena em que o psicólogo mostrava um cartaz para Linda e dizia que ela tinha que
seguir aquelas instruções para arrumar a cama. Veja, se uma criança tem sérias
dificuldades de linguagem e comunicação, sem nem falar do comprometimento
cognitivo, como ela pode seguir regras escritas ou mesmo desenhadas num cartaz?
Qual
é o tratamento correto para o transtorno que Linda, em teoria, deveria possuir
na trama?
O
tratamento comprovadamente eficaz e recomendado para o TEA é o baseado em ABA
(Análise do Comportamento Aplicada, na sigla em inglês), que consiste em um
plano de intervenção intensiva e precoce, que tem como objetivo ensinar para a
criança, de maneira sistematizada, todas as habilidades que ela precisa
aprender para ter uma vida saudável, feliz e produtiva. São ensinadas
habilidades de comunicação, de socialização, habilidades acadêmicas e de vida
diária (como se alimentar, higiene pessoal, se vestir, por exemplo) e até mesmo
preparação e treinamento para o trabalho. Parte-se daquilo que a criança já é
capaz de fazer, mesmo que seja muito incipiente, e vai-se construindo todo esse
repertório de comportamentos ao longo do desenvolvimento da criança até que ela
alcance autonomia - ou pelo menos, precise de menos suporte - para ter uma vida
normal.
Que
obras você recomendaria para alguém que quer entender melhor o comportamento
autista?
Eu
recomendo o livro Autismo: Não espere, aja logo! - Depoimento de um Pai sobre
os Sinais de Autismo, do Francisco Paiva Junior (que também é editor da Revista
Autismo). Nele, o autor mostra como foi a experiência de descobrir que seu
filho era autista e enfatiza a importância do tratamento precoce e intensivo
das crianças com TEA.
- Confira a entrevista na íntegra aqui: http://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2014/02/autismo-retratado-em-novela-passa-longe-da-realidade.html
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